Entrevista com Cesariny
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Nessa altura, sendo tudo tão escondido, eram assim tão fáceis os contactos sexuais entre homens?
Cheguei a publicar num jornal uma coisa que hoje não se entende:
Portugal era o país mais homossexual do mundo. E não era só a Marinha. O 25 de Abril, com a libertação dos homossexuais, também libertou a Marinha desse hábito. Passaram a considerar-se uns homenzinhos que não fazem essas coisas.
Agora fazem entre eles ou com um tenente qualquer. Não sei o que os chefes lhes disseram, mas realmente não apareceram mais os marujos. Mas apareceram os comandos. Todos os dias havia passagem de comandos na estação do Rossio, para engate.
Qual é a sua opinião sobre as manifestações do orgulho
gay, hoje em dia?
Acho feio, porque em vez de aparecerem como pessoas normais,
põem umas mamas, pintam-se, ficam uns verdadeiros abortos. E saem assim para a rua. Eu, que sou homossexual, se encontrasse aquilo na rua, passava para outro passeio, porque em vez de angariarem simpatia, ofendem.
Quando é que o Mário tomou consciência da sua homossexualidade?
Nos meus tempos da António Arroio, já sabia.
Mas nessa altura não era uma coisa que fosse falada. Como
é que lidou com essa descoberta?
Lidei conforme podia. O que fazia era em segredo, sempre. Tem a ver com a Lisboa dessa época. Havia urinóis espantosos, que eram sítios de encontro. Estavam sempre cheios. Muitas vezes, quem queria mesmo mijar, ficava aflitíssimo, porque as pessoas não saíam de lá [risos].
Que idade tinha quando teve as primeiras experiências?
Foi para aí em 1942 ou 43.
Chegou a confessar a sua homossexualidade
às autoridades. Quer contar como foi?
Isto era assim: três vezes apanhado na rua com outro senhor,
dava direito a ser mandado para a Polícia Judiciária. Depois, a Judiciária teve-me como suspeito de vagabundagem todo o tempo que quis. Não queriam provas, queriam a suspeita, porque a suspeita podia continuar sempre.
Então, um dia, perdeu a paciência, foi lá...
... e disse: ‘Sim senhor, sou homossexual’.
Eles perguntaram:
‘Com quem?’. E eu respondi: ‘Não lhes posso dizer, porque quando faço coisas, vou a um cinema e às vezes nem vejo a cara da pessoa que está envolvida comigo’. Quando ameaçaram pôr um agente a seguir-me na rua, disse-lhes: ‘Esse é o vosso trabalho, mas eu conheço muita gente que não é homossexual e vocês ainda vão ter algum desgosto’. Era assim, uma coisa absurda. Na verdade, a polícia tinha razão. É que eu era mesmo
um vagabundo, sem emprego certo.
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