As casas
Uma chuva ácida tem caido na cidade velha, dizem os jornais. Ponho-me a imaginar como será essa chuva. As casas, essas casas que apanham a chuva, são casas de pedra, como a pedra da calçada, como se elas tivessem parido a própria calçada. As paredes graníticas resistem incólumes à erosão do tempo, apenas enegrecem, como a pele do rosto de um velho, parecem tornar-se mais resistentes do que no dia (do qual ninguém se lembra) em que o tom claro do granito alegrava a cidade. Rua atrás de rua, casa atrás de casa, toda a cidade é feita de granito; casas, igrejas, hospitais, bancos, quartéis, até mesmo os jardins.
Essa chuva que os jornais falam, a chuva ácida, aparentemente devia corroer a cidade como um castelo de areia é engolido pelas ondas. Não. A chuva ácida começa por atacar a madeira do interior da casa, sem tocar nos telhados, piso a piso a casa vai ficando oca, sem interior. Depois é nas janelas que apodrecem as portadas, logo a seguir os vidros. A porta e a guarnição das janelas são as últimas a ser atacadas por esta chuva maldita. Os telhados tombam, se olharmos para as janelas, com atenção, enquanto as cortinas esfarrapadas voltejam com o vento, podemos ver as telhas a cair uma a uma, são as próprias casas que se choram.
Mas a rua… a rua continua com o mesmo desenho, as paredes são as mesmas, as janelas continuam nos mesmos lugares, as portas parecem eternamente fechadas. As cortinas de um linho imaculado, colocadas nas janelas no primeiro dia em que foram habitadas, agora são farrapos desfiados e cinzentos, as janelas são o único local por onde se entra e se sai da casa. Há quem diga, que nas noites frias e escuras, é por lá que saem os espectros, almas penadas dos habitantes de passados longínquos, sobre os quais só conhecemos relatos trágicos que se contam a boca fechada.
A maldita chuva ácida salta de casa em casa, as ruas ficam desertas, apenas algumas lojas teimam em manter-se abertas para aparentar uma rua de outrora. Um dia as paredes e as portas caem juntamente, caem para o interior da casa, mas esse dia ainda vem longe. Se esquecermos a luz do sol que vem do interior, que sai por entre o voo dos farrapos que foram cortinas, onde antes vinha a sombra da casa, a rua até parece a mesma de há tantos e tantos anos atrás.
1 Comments:
Um abraço grande!
:))
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