terça-feira, março 13, 2007

A Ilha

O Inglês tinha dito que eles tinham muito em comum, ao que ele respondeu – na verdade eu também nasci numa ilha.
Dá-se a volta ao quarteirão e ninguém compreende onde fica a maldita entrada, a não ser que alguém repare na lógica distribuição dos contentores do lixo. Há sempre mais contentores junto às entradas das ilhas. A casa que dá a cara à rua é uma pequena casa com demasiada estreiteza para ter duas portas, uma das quais se abre mais frequentemente. Entra-se por essa porta e segue um corredor estreito que nos leva até ao quintal de trás, é aí que fica situada. Está colocada como um pente, uma correnteza de seis pequenas casas, térreas, com vedações a colocar limites nos três metros quadrados de pátio que são pertença de cada uma delas. De frente às casas ergue-se um prédio de seis andares onde antes havia couves, é certo que eram terrenos ocupados, mas os habitantes nunca mais esquecerão quem lhes tirou as couves da sopa. O ódio da gente da ilha pela gente do prédio era tal que os apartamentos mantinham as persianas sempre corridas. As pequenas casas estavam encostadas às paredes graníticas dos quintais de duas casas que estavam ocas e onde abundava a vegetação. Ao fundo um pequeno palácio teimava em resistir ao incómodo de não estar na moda.
Como habitantes desta ilha podemos enumerar a partir da casa mais afastada da rua: Um casal humilde de idade indeterminada, o certo é que a pobre esposa tinha mais filhos de colo do que aqueles que podia carregar, “gente trabalhadeira” como dizia a D. Berta; O Vítor, moço simpático, trabalhava num café do centro da cidade e era prostituto nos dias de descanso; O Manel, homem rude e envelhecido, tinha trabalhado nas minas e agora andava sempre à procura de biscates para sobreviver; A D. Berta, matriarca de uma grande família de emigrantes, eles nunca vá vinham e ela lamuriava-se saudosa, D. Berta estava incapacitada de andar, há já alguns anos que se mantinha numa cadeira de rodas cujo único caminho que fazia era de dentro de sua casa, junto ao sofá, para o pátio, debaixo de uma parreira que ela própria plantou em melhores dias, no verão a D. Berta fazia questão de dormir debaixo da parreira – ninguém aguenta dentro de casa, dizia ela, com ela vivia o filho mais novo e a nora que lhe davam um neto todos os meses de Abril, feliz coincidência pois D. Berta tinha um passado revolucionário, do qual já ninguém se lembrava; As outras duas casas estavam vazias desde que os inquilinos compraram apartamentos em Gaia nos anos noventa.