Manel
É preciso trabalhar quarenta anos numa mina para dar verdadeiro valor às pequenas coisas. O Manel tinha uma vida completamente desinteressante, nada do que ele fazia podia ser motivo de inveja, a sua reforma apenas dava para pagar as contas, qualquer extra que ele necessitasse nunca o teria, não havia mais nada onde ele pudesse cortar gastos, o Manel era daquelas pessoas que estava mesmo ao lado da miséria. Apesar da sua cara fechada, havia uma centelha nos seus olhos que ninguém notava, qualquer pessoa que o seguisse secretamente, como fazem os detectives privados nas séries televisivas, só podia chegar a uma conclusão – uma vida de reformado, sem qualquer acontecimento digno de nota. Mas a cabeça do Manel era capaz de ver prazer onde os outros só viam privação, estar encostado num banco de jardim a apanhar o primeiro sol da manhã só pode parecer vida monótona de velho reformado a quem nunca esteve fechado numa mina, para quem esteve quarenta anos aquilo era simplesmente o céu na terra.
Manel sabia, e sentia, que a sua importância para os outros era como a sombra do banco onde estava sentado, sem interesse algum, podia haver gente a quem essa ideia podia trazer tristeza, a Manel não, aquilo que os outros davam como certo era para ele o desejo supremo de uma vida, descansar ao Sol num banco de jardim era um bem incomensurável.
Tinha um vício que apimentava os dias de reforma (ainda que ele não necessitasse disso, o seu dia-a-dia já era para ele um sonho realizado), começou devido à falta de interesse que os outros davam à sua presença, como não davam interesse agiam como se ele ali não estivesse, pensavam até que ele devia ser surdo porque o vulto de Manel não parecia reagir a nada. Manel, com seu ouvido sensibilíssimo, escutava de longe as conversas alheias, dedicava o seu tempo a isso como a maioria dos reformados dedicava o seu tempo às novelas da tv. Ninguém nunca deu conta deste vício, ele também seria incapaz de usar aquilo que ia ouvindo aqui e ali, nunca esquecia conversa nenhuma, mas nunca falaria delas, poucos conheciam a sua voz e nunca ninguém o ouviu falar daquilo que ouvia.
- Desde que abriu o Metro o ar das ruas está mais respirável. Há menos autocarros.
- Eu só sei que o ar está todo poluído e os meus pulmões são sensíveis a isso.
Manel compreendia a primeira pessoa, mas não era o ar das ruas, era o ar dos túneis do Metro, quem usasse o Metro podia sentir uma melhoria no ar respirado, o ar que circulava lá em baixo era menos poluído que o das ruas do centro.
- E que vai ela fazer agora???
- Com quarenta e oito anos que emprego achas tu que ela vai encontrar? Com a falta de emprego que há……
Não teve pena de não ouvir o resto, este era o tipo de conversa que ele preferia evitar ouvir, Manel era um homem de crenças muito fortes, e acreditava que o trabalho era um direito das pessoas, e isso até estava na lei, mas hoje em dia havia tantas leis que as pessoas esqueciam as mais importantes.
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