Vítor II
Fazia equilíbrio na berma do passeio com os braços no ar, e olhava sempre em frente como se desafiasse a não cair da berma, olhava os carros que vinham na sua direcção. O centro da cidade estava descarnado àquela hora da noite, descarnado de gente. O centro, durante a noite, era o local propício a quem procurava o ilícito e o escuso. Automóveis de luxo, de preços superiores ao de bons apartamentos, rodavam vagarosos como se os condutores estivessem a ver as montras das lojas. Vítor aparentava estar exposto num teatro e erguia os seus olhos mais luminosos que os faróis dos carros. Havia uma mútua escolha.
As casas da ilha eram demasiado frias, o preço do gás ou da electricidade eram proibitivos, no início daquele Inverno tinham resolvido o problema do aquecimento. Alguém descobrira uma forma fácil de aceder às casas abandonadas que estavam encostadas à ilha. A madeira do soalho e das portas interiores tinham facilitado o aquecimento, a D. Berta lamuriava-se quando colocava a madeira de riga no braseiro – que peninha, uma madeira tão boa…acabar assim.
Em cada poro da pele de Vítor havia Santos Graal que os seus clientes faziam questão de beber, um a um, até retomarem a juventude perdida, ainda que essa juventude tivesse uma efémera duração.
Na ilha Vítor era o herói da criançada, aos Domingos de manhã, quando a música pimba era colocada em som máximo, a canalhada toda ia acordá-lo, entravam-lhe pela casa dentro e só descansavam quando ele estava de olhos abertos a inventar brincadeiras. Um dia fazia de palhaço, outro dia imitava o som de pássaros e da sirene dos bombeiros, os putos corriam loucos com gritos estridentes quando ele imitava fantasmas e demónios. Vítor era o eterno menino, as crianças daquela ilha eram os seus companheiros de brincadeira.
Um dia Vítor desapareceu, nunca mais ninguém o voltou a ver. Tudo que diziam era boatos, os boatos que se inventavam eram todos a favor de Vítor, um deles dizia que ele tinha emigrado para um país árabe, que agora era rico e que um dia voltaria para ajudar a gente da ilha.
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