quarta-feira, julho 25, 2007

O Senhor Teixeira da Mercearia


Todas as mulheres do bairro lamentavam a vida do senhor Teixeira da mercearia. Homem pequeno mas robusto, muito trabalhador, muito dedicado à família, a mulher e três filhas, um bom exemplo daquilo que devia representar o ideal de homem e esposo. Depois de saírem da mercearia, onde tinham sido servidas com a maior educação e rectidão, paravam na esquina, não para falar da carestia de vida, tema principal dentro do estabelecimento do senhor Teixeira, mas para falar desse homem que tanto admiravam. A vida dele era um livro aberto, saía de casa todas as manhãs às oito e meia em ponto, subia a rua Faria Guimarães, onde tinha o seu apartamento, e dirigia-se à Rua da Constituição onde possuía uma pequena mercearia, entrava na mercearia às oito horas e quarenta minutos e depois de arrumar a loja, colocando cada coisa no seu sítio, abria a loja às nove horas exactas. Ao meio dia e meia hora regressava a casa para o almoço, tornava a abrir as portas às duas e trinta para só as fechar às oito da tarde, isto se nenhuma cliente demorasse, porque o senhor Teixeira nunca foi homem de apressar ninguém e gostava que as suas clientes se servissem à vontade. Nunca, nunca ninguém ouviu falar isto (as vizinhas apontavam para a extremidade do dedo mindinho) do senhor Teixeira. Apesar de já ter passado dos quarenta, o senhor Teixeira continuava a ter uma cara de anjo à qual os homens do bairro culpavam as idas e vindas para a mercearia daquele mulherio. Dizia-se que na ilha havia uma mulher que tinha apanhado uma “polinheira” do marido e ficado inválida porque o marido a apanhara a sair da mercearia. Em tempos idos, maridos proibiram a entrada das esposas na mercearia, quando a vida era mais dura e as pessoas mais novas, agora as mulheres que lá iam tinham mais que cinquenta – “as novas querem é ir passear para o Continente” – “Gastam o que têm e o que não têm” – quando era para criticar as grandes superfícies as clientes do senhor Teixeira não se poupavam nos adjectivos e falavam bem alto, olhando para ele pelo canto do olho, assegurando-se que o senhor Teixeira as ouvia, apesar de ele estar sempre ocupado a pesar fruta ou a arrumar os armários ou a fatiar fiambre e queijo. Já na esquina a conversa era outra, a conversa era sobre o pobre do senhor Teixeira que era enganado todos os dias pela vaca da mulher, um homem tão bonito, nem dão valor ao que têm em casa, a vaca mete-se com qualquer um, e as filhas estão no mesmo caminho, pobre homem.
Todas as Segundas-Feiras e Quartas-Feiras de tarde era a mulher que ia tomar conta da mercearia, o senhor Teixeira ia comprar os frescos, nessas tardes o negócio era pouco, o senhor Teixeira atribuía à falta de frescos e a mulher culpava aquelas putas de quererem era roçar-se no homem dela, mas estas eram conversas de cama, apesar de tudo aquelas vacas venenosas eram o ganha pão da família.
Noutros tempos, as Terças e Quartas eram preenchidas totalmente com as compras para a mercearia, mas não agora, o negócio era muito mau, mal dava para os gastos. O senhor Teixeira, que era uma pessoa de hábitos, não gostava de voltar mais cedo para casa ou para a mercearia nesses dois dias, e há alguns anos que tinha encontrado o vício ideal para gastar o resto das tardes. Entrava sempre à mesma hora na sauna da rua do Bonjardim. Assegurava-se que ninguém o via entrar, despia-se, enrolava a toalha à volta da cintura e esperava na sala mais escura. Passado alguns minutos já o senhor Teixeira se satisfazia com a primeira boca que se ajoelhava à sua frente, o senhor Teixeira era incapaz de tocar nesses homens com as mãos, os braços ficavam entrelaçados como se estivesse à espera de algo. Com o passar do tempo foi-se habituando a gastar naquele pequeno vício o tempo exacto que dispunha.