sexta-feira, agosto 03, 2007

MARIA DE FÁTIMA

Nascida na ilha da travessa, freguesia de S. Ildefonso, Maria de Fátima sempre foi uma menina tristonha, aos treze anos botou corpo, o pai, emigrado em França, foi peremptório – esta rapariga já pode ir trabalhar, disse-o convicto e avaliativo, como quem faz um grande investimento. A mãe desfez-se em queixas, mas lá acedeu a dá-la à D. Teresa para aprender costura, assim sempre chegaria a casa a horas de a ajudar a mãe a criar os irmãos mais novos.
Passado um ano Maria de Fátima já conhecia bem o ferro, D. Teresa recebeu uma nova aprendiz e ensinou a Maria de Fátima a enfiar uma agulha, começou a receber um ordenado que a mãe ordenara colocar na lata do dinheiro do pão.
Um dia, já com dezassete anos, chegou a casa e ouviu os pais a murmurar, durante o jantar os pais olhavam para ela e entreolhavam-se, pareciam não chegar a uma decisão, Maria de Fátima não sabia que decisão eles estavam a tomar, mas sabia que lhe dizia respeito. O casamento tinha sido combinado, casaria com o senhor Albino, homem de poucas falas e quinze anos mais velho, a decisão tinha sido tomada pelo pai quando, em conversa com a mãe, chegou à seguinte conclusão: o homem diz que paga o casamento e evitámos a vergonha de um dia entrar por estas portas grávida de sabe-se lá quem.
O senhor Albino tirou-a da costura, despediu a criada, agora seria a esposa a responsável pela casa, os filhos quando viessem já lhe dariam muito trabalho. Maria de Fátima nunca teve filhos, atribuía o facto às dores menstruais, estas dores apareciam sempre nos dias mais férteis depois de o senhor Albino intentar, mais uma vez, obter descendência. A frigidez depressa desanimou o marido, mas Maria de Fátima nunca deixou de se queixar das dores, não fosse o homem ter ideias.
Albino morreu cedo de uma pneumonia, a mulher vestiu luto pesado e entrou pela primeira vez num banco, tinha 38 anos. O marido deixou-lhe a casa, uma conta no banco e a pensão. Habituara-se a uma vida austera, não necessitava mais do que a pensão para sobreviver, nada sobraria mas a conta no banco sempre podia cobrir qualquer eventualidade.
Maria de Fátima, agora com cinquenta anos, era uma mulher orgulhosa, depois da morte do marido não faltaram pretendentes, mas ela preferia viver sem dores menstruais. Fazia croché na salinha, a sala de jantar só foi usada uma vez para servir um porto ao médico que veio ver o marido, o resto do tempo passava-o na cozinha onde tinha uma televisão, o ponto alto do dia eram as idas à missa e a passagem pela mercearia do senhor Teixeira.
Da janela da cozinha vivia o mundo à sua volta, dali avistava as janelas do apartamento do senhor Teixeira, local preferido para focar o olhar sem ser vista. Era com conhecimento de causa quando, à vinda da mercearia, falava às amigas – mal ele sai de casa ela enfia lá outro homem.