TONY
Tony, arrumador por profissão, especializara-se num tipo específico de assalto, assaltava garagens de prédios. Desde miúdo que tinha uma paixão por tudo que implicasse electrónica e automóveis, os pais queriam que ele fosse engenheiro, desistira de estudar aos dezassete anos e vivia agora o seu sonho da única forma que lhe era permitido. Especialista em comandos de portas de abertura automática, corria as ruas do Porto com vários comandos no bolso, ia pressionando os comandos à medida que avistava as garagens, pelo menos uma porta por noite ele conseguia abrir. Já nem valia a pena roubar os autorádios, partia o vidro lateral dos carros que aparentavam ter algum valor lá dentro, a técnica estava aperfeiçoada, o ruído era mínimo. Depois de três ou quatro vidros partidos, saía sempre com alguns óculos escuros e valores diversos suficientes para alimentar metade da sua necessidade diária de heroína. Já a noite ia alta quando se dirigia ao bairro da Sé para fazer a transacção, nunca fora apanhado, tinha como costume nunca voltar à mesma garagem antes de fazer um ano desde o último assalto.
De manhã rondava a casa da irmã até ver sair o cunhado. A irmã deixava-o entrar em casa e dava-lhe de comer, fizera-o prometer que nunca lhe pediria dinheiro e nunca lhe roubaria nada, só assim ele podia contar com a sua ajuda. Depois de comer e descansar um pouco, a irmã dava-lhe alguma fruta para ele levar, a fruta dependia um pouco da época, mas um limão era obrigatório, desculpava-se à irmã com a falta de vitamina C que lhe estava a corroer os dentes.
Tinha sido um bom aluno, na primária tinha uma letra da qual se orgulhava, foi aí que começou a fumar os primeiros cigarritos, as dificuldades a matemática no ciclo preparatório levaram a mãe a pôr o menino nas explicações, aí conheceu o Zé Tigre que lhe dera a fumar os primeiros charros, os problemas começaram no secundário quando o mercado do haxixe subiu descontroladamente devido a uma grande apreensão, ele e o grupo de amigos decidiram passar para o cavalo cujo preço era muito mais convidativo. Aquilo dera-lhe uma paulada da qual nunca mais se conseguiu afastar, desistiu de estudar aos dezassete, o tempo que perdia a obter dinheiro para o vício não lhe dava possibilidade de qualquer outra actividade. Acabara-se a escolaridade.
A família esquecera-o, a única pessoa que o ajudava era a irmã casada com um merceeiro, pelo menos de fome não morreria. Durante o dia ia arrumar carros, sempre atento à possibilidade de encontrar algum incauto que lhe desse a possibilidade de possuir mais um comando. De dia tinha como regra número um não assaltar automóveis, a única excepção era os comandos das garagens, se via algum dentro dos carros não descansava até o ir buscar. A duração do trabalho de arrumador dependia do que lhe davam, parava quando alcançava a soma necessária para o resto da sua dose diária.
Ao fim da tarde ia tomar banho a uma sauna na rua do Bonfim, fazia-se passar por bicha, a sauna tinha boas condições de higiene e o preço era bastante acessível. Algumas vezes ia até aos quartos mais escuros da sauna onde se ajoelhava para dar prazer a algum daqueles homens, tinha saudades do tempo em que sentia o prazer das mulheres.
Saía sempre com remorsos daquele local, no tempo em que andava na primária, e era bom aluno, o pai olhava para ele e dirigia-se para a mãe: a pior coisa que nos podia entrar em casa era um filho paneleiro.
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